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Mostrando postagens de abril, 2008

Abandono

Peço-te que me abandones, deixe-me viver e morrer na dor de não pertencer a ti. Imploro-te para que estejas próximo, pretendo não perder-te de vista, porém não almejo ver-te nitidamente. Contento-me apenas com tua sombra sorrateira, mas temo em breve isto não ser sustentável. Coloco-me na transição entre os extremos. A dúvida consome meu ato de decisão, estes minutos são finais e os próximos serão meu fim. Deixe-me até que meus caminhos não mais cruzem os teus, até que a dor lacere meu peito e meus sentidos não mais sejam confiáveis. Espera-me em planos secretos, onde minha existência consagrada de vida se deixa tomar por teus apelos. Assim sendo irei para quem sabe um dia retornar novamente.

Guerra

Cá onde estou, rebenta uma guerra de matéria neural, Propagada além da ossatura e fluxo venal, Decorre em espasmos mentais. Guerra psíquica, Campo minado do inconsciente, Sopro volátil de entidade incorpórea, Agente infeccioso de contagio moral. Revoltas sensações cavam trincheiras no terreno da razão. Na linha de frente marcham kamikazes, Entregando-se à dor incurável. Sádicos lamentos fraturam-me a alma. Invadem-me apetites coléricos e, Irrompem-se calorosas batalhas. Verborreicos açoites castigam-me o espírito, Fulminantes delírios laceram-me o peito. Lufada vital traga-me sementes de ouro, Crave-as em meu corpo astral, Remova do meu coração as flechas que o perfuram, Dos meus pés grilhões que se arrastam, Dos meus olhos pesares que os pesam. Só não dê novamente uma trégua, pois dela se ergue uma onda que a todos os sentidos engole.

Eu

Eu tenho um nome, mas ainda não sei quem sou. Eu tenho vários sonhos, mas ainda não sei quem sou. Eu tenho várias perguntas a fazer, mas ainda não sei quem sou. Eu tenho várias respostas a dar, mas ainda não sei quem sou. O tempo está passando e eu ainda não sei quem sou. O tempo continuará a passar e eu continuarei a não saber quem sou. Não sei o que irá ocorrer quando eu souber quem realmente sou, se é que um dia irei saber. Por enquanto me contento em dizer que sou um ser humano que tem suas vontades, que sonha, que tem suas opiniões, que tem suas crenças, que vê o mundo de certa maneira, que tem suas necessidades básicas, que apresenta controvérsias, que tem seus defeitos, que tem suas virtudes, que se questiona e que tem esperanças. Eu não sei o que me espera no futuro, mas sei o que eu espero dele. Eu percebo as coisas que vejo e toco e penso sobre as que não posso ver nem tocar, por enquanto isto é tudo, mas não é o suficiente. Eu estou escrevendo, porque acho que

Na linha de um trem sem fim

Assobia o apito do trem, sonoro convite à infinita viagem. Sobem a abordo anseios de quem os têm. Por trilhos outrora trilhados, conduz passageiros que passam e no passado se fincam. Vagos vagões trepidam aflitos. Ferrugem e fuligem forram os leitos. O trem engrena planos possíveis, Enveredado por desejos tirânicos. Imprimindo velocidade assassina, Verga-se ao peso de férrea volúpia. Caminho de ferro, que intuito terás? Carregas o fogo da eterna vontade, Em qual estação deve o intento saltar? Na linha de um trem sem fim, esperamos o que nos espera. Embarcamos no trem que busca tudo aquilo que se deseja e por nunca deixarmos de desejar o trem se chama sem fim.

Fez-se e se desfez

Não mais lançava o olhar ao céu, pois se lhe seguiam alto os arranha-céus. Não mais deitava a ver nuvens sossegadas sobre o gramado, pois se lhe passava uma avenida. Não mais dançava sob os raios de lua, pois se lhe ofuscava as luzes da cidade. Não mais apanhava os frutos da caramboleira, pois se lhe sobrepunha um passeio público. Da natureza fez-se propriedade, Da menina fez-se cidadã, Da liberdade fizeram-se os direitos, Da sede fez-se a necessidade, Do tempo fez-se prisão, Desfizera-se o tempo em que a menina vivia e fizera-se o tempo do qual vive a menina. Ao fim e ao cabo, fez-se poesia, que dela e nela vive.